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O nome dele é Elliot - Um guia sobre pessoas transgénero para os jornais portugueses

dez. 3, 2020 3 comments

 


"Atriz Ellen Page" escreveram em título o Correio da Manhã e o Diário de Notícias. "Ellen Page", escreveu o Público e o Observador. Tenho uma notícia para todos os jornais portugueses: o nome dele é Elliot.

Elliot Page, protagonista do filme Juno e ator na série Umbrella Academy, assumiu-se como transgénero no dia 1 de dezembro, a partir das redes sociais. Utiliza os pronomes Ele/Elu (He/They), e diz: "Não sei por onde começar para expressar como é finalmente amar quem sou o suficiente para perseguir o meu 'eu' autentico". 

O texto, assinado "Com amor, Elliot", não continha apenas a felicidade du ator por estar a assumir o seu género, mas também factos sobre a discriminação contra pessoas transgénero. "Só em 2020 foram reportadas pelo menos 40 mortes de pessoas transgénero, a maioria negras ou latinas" adiciona, explicando o medo que vem com assumir quem é.

Elliot identifica-se como transgénero, utiliza pronomes masculinos e não-binários, e é queer. Uma pessoa é transgénero quando passa a ser um género diferente do que lhe foi dado ao nascimento, sem necessidade de mudar o sexo. Uma pessoa não-binária é alguém que não se sente bem dentro da binária de género (ele ou ela), e uma pessoa queer é alguém não heterosexual.

Elliot acaba com uma mensagem de esperança: "Para todas as pessoas trans que lidam com assédio, ódio-próprio, abuso e a ameaça de violência todos os dias: eu vejo-vos".


(O texto que Page publicou nas redes sociais)

Veem jornais? Não é assim tão difícil. 

Imediatamente após a publicação de Page, jornais internacionais noticiaram Elliot, e as redes sociais impressionaram-se com o respeito e cuidado que tiveram nas suas palavras - como qualquer jornal deve ter com qualquer tema. Até a página de Wikipedia em poucos minutos foi atualizada para ter os pronomes corretos do atore. No dia seguinte, veio a desilusão: os grandes jornais portugueses falharam redondamente, utilizando o nome antigo de Elliot e chegando até ao desrespeito de utilizar o pronome "ela". Dos mencionados anteriormente, apenas o Público corrigiu o seu erro. Este desrespeito reflete a ignorância que ainda existe em Portugal acerca de assuntos LGBT e como os abordar. É ainda pior este acontecer no título de uma notícia, a primeira coisa que as pessoas leem, por vezes, a única. Esperemos o erro não ter sido por algo tão fútil como clicks, pois quando um jornal coloca o seu lucro acima do tratamento adequado do que noticia, já não é um jornal. 


(o Diário de Notícias, não só utiliza o nome antigo de Elliot, continua a usar os pronomes Ela/Dela e uma fotografia anterior a Page assumir-se)

Querendo acreditar que os erros feitos pelos jornais portugueses foram apenas ignorância, como futura jornalista, escrevo um pequeno guia para o erro não ser repetido:

  • Utilizar os pronomes corretos da pessoa. Isto é o mínimo dos mínimos;
  • Nunca utilizar o nome antigo da pessoa. Para pessoas transgénero, ouvir o seu nome de nascença  causa disforia e desconforto;
  • Se for absolutamente necessário utilizar o nome antigo (em último caso), esclarecer que este é o nome antigo e já não deve ser usado, ou utilizar citação da pessoa a dizê-lo;
  • Nunca dizer "Pessoa era X, agora é X", pois isso implica escolha, e ser transgénero não o é. Elliot sempre foi Elliot e sempre se sentiu como Elliot, apenas não se assumia como tal;

(O Observador caiu neste erro facilmente corrigível. A sua zona de comentários é também lamentável, cheia de pessoas a invalidar a identidade de Page)

  • Mesmo quando falando no passado da pessoa, escrever sempre com o nome e pronomes atuais pelas mesmas razões ditas acima; 
  • Dar contexto através dos feitos da pessoa, não através do seu nome antigo - portugueses lembram-se mais facilmente quem é Elliot Page mencionando os filmes em que elu já participou do que pelo nome;
  • Utilizar fotografias recentes, pois fotografias retiradas antes da pessoa se assumir podem causar disforia;
  • Se a pessoa preferir ser tratada por vários pronomes, utilizar todos. Nunca utilizar apenas um ou outro, mas sim alternar entre os pronomes preferidos; 

(O Correio da Manhã refere-se ao ator no passado no género feminino, e utiliza fotos antigas)
  • Especificar sempre não só os pronomes em português, mas também na língua original da pessoa;
  • O pronome inglês They, que é um pronome singular sem género, não se traduz para Eles, apesar de They também ser utilizado para plural. O novo pronome português sem género mais concordado pela comunidade Não-Binária é Elu/Delu. Ajudem a normalizá-lo;
  • A missão do jornal é informar. Deem definições do que é ser transgénero, não-binárie, ou qualquer outro termo mencionado.
Estas são as bases para escrever respeitosamente sobre pessoas transgénero. Um jornal ser ignorante e manter-se ignorante quando esta informação é facilmente acessível e já conhecida por um grande público é inadmissível. Os que acham estes cuidados serem "demais", devem trabalhar para melhorar a sua empatia. Os jornais influenciam diretamente a perspetiva das pessoas, vamos fazer com que essa perspetiva seja uma de aceitação e respeito.

Referências:

Como apoiar pessoas transgénero na tua vida: https://transequality.org/issues/resources/supporting-the-transgender-people-in-your-life-a-guide-to-being-a-good-ally

O que fazer e não fazer como um aliado: https://lgbtrc.usc.edu/trans/transgender/tips/

Como falar com pessoas que são transgénero e não-binárias: https://www.healthline.com/health/how-to-be-human-language-around-transgender#dont-deadname


Comentários

  1. Adorei o post! É muito necessário e super importante! Excelente trabalho ����

    ResponderEliminar
  2. Gostei bastante do post! Realmente é uma pouca vergonha a atitude destes jornais portugueses e é importante, uma vez que não fizeram de antemão, educar para que as pessoas não voltem a cair nessas interpretações erradas. (Tanto os jornais/media em futuras publicações como os seus consumidores que irão repetir o erro). Eu por exemplo, estava familiarizada com o pronome "they", mas não sabia qual era a tradução /interpretação mais correta em português (uma vez que, já por si, é uma língua bastante binária). Obrigada e continuação de um bom trabalho!

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