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Diana Pinguicha: "Há mais hipótese de sermos publicados a escrevermos numa segunda língua, num país que não é o nosso, do que cá"

ago. 24, 2021 1 comments

Diana Pinguicha é escritora desde os 14 anos, mas apenas em 2020 viu um livro seu publicado. "A Curse of Roses" é um romance histórico fantástico sobre a lenda portuguesa do "Milagre das Rosas" que retrata a Rainha Santa Isabel sob uma perspetiva LGBTQ+. A lenda é portuguesa, mas o livro não foi publicado em Portugal, mas sim por uma editora Nova Iorquina. Diana Pinguicha conta-nos o porquê de editar uma história portuguesa fora de Portugal, a sua experiência como escritora e mulher LGBTQ+ em Estremoz e aconselha futuros escritores.

Chega com o seu livro na mala e autocolantes das suas personagens na carteira, prontos a oferecer a qualquer leitor que encontre. Desliga o videojogo que jogava no telemóvel durante o caminho e sorri calorosamente, fala repleta de expressões alentejanas. Senta-se no estúdio, pronta a ser entrevistada para o primeiro episódio do podcast E-scritores aqui transcrito.

Escreveste o A Curse of Roses em inglês e foste publicada por uma editora nova-iorquina. Porquê escrever sobre a História de Portugal em inglês?

Isto é uma história muito comprida, vou tentar fazer mais rápida: Eu estava a escrever fantasia e tinha na altura uma outra agente literária. Quando estava entre projetos, porque a outra fantasia esteve próxima, mas não conseguiu vender, eu [pensei]: "Epá o que é que vou escrever a seguir que tenha mais hipóteses de ser publicado?", porque apesar de escrita ser amor e ser muita coisa, também tens de ser esperta naquilo em que investes o teu tempo a escrever um livro inteiro. Como era ainda o meu debut [livro estreia] não tinha hipótese de ir a proposal [proposta], portanto tinha de ser um livro inteiro, eu comecei a pensar no que é que está agora na moda, e havia muitos retellings [recontos de outras histórias ou eventos históricos de uma perspetiva nova]. Era tudo "bela-adormecidas" e "cinderellas" e blah blah blah, que eu gosto, mas não há nada com retellings portugueses. Então o que é que eu posso adaptar da história de Portugal? Depois, olha, sou de Estremoz, tudo ali gira à volta da Rainha Santa Isabel - tanto que a minha escola secundária tem o nome dela.

Então na altura disse à minha agente: "olha, acho que vou escrever uma fantasia histórica lésbica sobre a princesa - na altura Rainha Santa Isabel" e a Natalie ficou: "Epá, sim, não há mais nada disso, tens de fazer isso". Veio daí a ideia, fazer um retelling, mas aproveitar, já agora, que não há nada português a nível internacional - há, mas são poucas coisas - e foi pegar nisso e já que eu era portuguesa, se não for eu a fazer mais ninguém vai fazer, e se fizerem são pessoal de fora e vão-nos apropriar a cultura e fazer cenas que não percebem, que também já houve disso.

De lenda a livro

Incorporas a cultura portuguesa na tua obra, não só a lenda do "Milagre das Rosas", mas também zonas, palavras, bem como o mito das Mouras Encantadas e uma ótima receita de Açorda Alentejana lá no fim do livro. Porquê escrever sobre Portugal para fora?

Como nós somos um país muito pequenino e que ninguém já repara, quem é que olha para Portugal e fica tipo: "ah, não, vou escrever sobre esta cultura, vou aprender sobre esta cultura", até porque muita gente acha que nós somos Espanha - isso aconteceu-me nos Estados Unidos há relativamente pouco tempo. Eu, epá, também é um bocado, vá, isto é um bocado frio, mas se não há mais ninguém a escrever sobre cultura portuguesa e História de Portugal, porque é que não hei de ser eu, que sou de cá e posso escrever sobre as nossas coisas de cá que um toque que um estrangeiro não vai ter? E pode ser que assim alguém repare que nós existimos, que não somos só aqui uns "nhanhas" e que também merecemos um bocadinho de representação.

Para além da História portuguesa, também metes lésbicas à mistura - incorporas um romance entre a Rainha Isabel e a moura Fatyan. Porquê ou como te surgiu esta história de amor?

Pronto, eu quando estava a fazer a minha investigação sobre a Rainha Santa Isabel, eu até na altura estava "ok, posso escrever sobre ela e o Dinis...", os "gajos" tiveram um bom casamento - os "gajos", epá, é tão alentejano - tiveram um bom casamento e tal, mas cada vez que lia sobre ela ficava tipo...ela teve dois filhos, exatamente dois filhos e assim que teve um rapaz, um varão, parou, acabou aqui a conversa. É uma história um bocado apócrifa, mas tens a tal das "meninas de Odivelas" em que ela dizia: "Vai vê-las Dinis, não me chateies" (risos) "Ide ver as tuas meninas e deixai-me aqui sozinha em casa!". Ela também acabou por criar os filhos bastardos dele, e gostava muito deles. Depois da morte do Dinis, ela meteu-se num convento, o que vá, era muito religiosa, mas quem é que ia para os conventos? Eram as lésbicas! E depois a ver, epá, ela hetero não era de certeza, ela era Queer [não-heterossexual]. Percebo quem possa ir para a representação assexuada, também pode ser interpretada dessa maneira, só que eu adoro romance, e queria escrever um romance, então ela teve de ser lésbica. 

Depois, também veio a ideia porque eu queria incluir Mouras Encantadas, porque faz muito parte das lendas do Alentejo. Sabia que elas se iam conhecer, na altura até pensava, como o mercado estava um bocado diferente na altura em que estava a planear isto, um Mouro...mas eu não queria um Mouro, queria uma Moura, e eu: "Epá, pode ser lésbica, porque não? Bora". Surgiu aí a minha ideia também de fazer ali um romance intemporal entre as meninas.

Portugal pode ser visto como um país conservador. Tiveste algum receio de estar a misturar romance LGBTQ+ com a história de Portugal?

Epá...eu não tenho medo de nada (risos) Mentira, mas ,na altura, quando estava a escrever até com os meus amigos aqui da Nanowrimo Portugal, até estavamos a falar a dizer: "oh meu Deus, se este livro é publicado a manchete no Correio da Manhã vai ser 'Há um livro publicado em inglês sobre a Rainha Santa Isabel em que ela é...lésbica" e consegui imaginar...

Que crime! (risos)

O crime de tudo isso! Mas acho que ainda somos...[Portugal] é mais conservador porque as minorias falam muito alto. Nós temos cá tanto pessoal Queer que não se vê revisto em nada, que eu também me senti um bocado...tinha de fazer isso. Se tiver de acontecer alguma coisa acontece, mas epá, não...tenho receio, mas não é assim tanto.

Escritora Queer no Alentejo

Aliás, tu mencionas brevemente no inicio do livro que tu própria precisavas - sendo uma mulher Queer - de ver representação LGBT na história de Portugal. Foi em parte [por isso]...?

Foi em parte também por causa disso, e porque pronto...eu cresci em Estremoz, e aquilo era do piorio. Não sei se ainda é, mas era muito conservador e não sei o quê, e chamavam-me "lésbica" como insulto porque eu tinha que fingir que gostava de "gajos" para não me chatearem a cabeça. Depois já estava tipo "eh" (encolhe os ombros). Então eu decidi, vou fazer isto, vou pegar na figura da nossa cidade e vou torná-la tão lésbica, mas tão lésbica, que vocês nunca mais me querem ver lá! 

Foi a vingança.

A minha vingança a Estremoz! Tanto que em Estremoz ninguém fala do meu livro também.

Ignoram.

Não houve nada nos "jornaizinhos", nem sei o quê, cada vez que algum estrangeiro dá tipo, um peido na direção de Portugal cai tudo em cima, mas cada vez que um português faz alguma coisa no estrangeiro é "eh" (encolhe os ombros).

O livro também tem elementos fantásticos, como por exemplo, os poderes da Rainha Santa, de transformar comida em flores, que tu explicas como sendo magia, ou o "sahar" como tu dizes no livro. A mistura da história e fantasia não te pareceu arriscada?

Epá, não, há tanta fantasia histórica.

Mas não tanta em Portugal.

Ah, mas eu não quero saber! Eu escrevo o que gosto e o que eu gosto é fantasia e não vou escrever um livro de ficção histórica sem incluir ali um bocadinho de magia, nem que seja uma coisa pequena. Quando ouvi a história da Rainha Isabel, "O Milagre das Rosas", assim que eu pensei n' "O Milagre das Rosas" e ela a transformar pão em rosas, eu pensei logo que ela vai ter magia no livro, e vai ter esse poder. Só que no principio não vai ser só pão em rosas, porque era muito fácil, pronto, não vai ser isso que ela quer, porque desperdiça comida! A mulher estava ali, estava tudo cheio de fome e ela ia ficar chateada, então daí veio a ideia de ela pensar que é uma maldição, cada vez que toca no pãozinho.

Tiraste Engenharia Informática. 

Sim! (ambas riem)

Essa foi a coisa que mais me confundiu quando fui pesquisar sobre ti, tu tiraste Engenharia Informática no Instituto Superior Técnico, que é um curso muito cientifico. Como é que foste parar à escrita?

Eu sempre escrevi. Desde os 14 anos escrevia fanfiction, maioritariamente de [Legend of] Zelda - e não, ninguém pode saber o meu nome secreto de fanfiction, é só smut [fanfics eróticas] agora (risos) - mas eu comecei-me a aperceber, especialmente com Zelda, com Planescape e Baldur's Gate, que os jogos tinham de ter escritores, especialmente esses jogos que tinham boas histórias. Então eu queria ir escrever para jogos! Porque eu adorava jogos, e também gostava de livros, mas aquilo, epá, é mais imersivo. Os jogos agora é mais a minha terapia. Mas eu fui para Informática porque achei que a maneira mais fácil de escrever para jogos era aprender a programar, para ir entrar para outra coisa, e depois entrar para escritora. Só que...informática é "buéda" chato, especialmente no Técnico. Eu nas cadeiras que gostava dava-me bem, ADHD power [poderes de PHDA], e eu dava-me bem nas cadeiras que gostava, mas as que não gostava era o maior frete. Houve umas que demorei três anos a fazer aquelas porcarias. 

Pronto, quando eu estava para aí, com 23 anos, entrei no técnico com 18, já estava lá há algum tempo, estava quase no mestrado. Decidi tirar, porque deu-me na cabeça, o Proficiency em inglês. Fui tirar o Proficiency em inglês e os meus pais: "se não passares, vamo-nos chatear" e não sei o quê, blah blah blah blah - o meu professor mandou-me escrever um conto. Escrevi um conto, e o meu professor aqui no Proficiency, por acaso foi ali no Cambrige, mesmo do outro lado da rua, e ele a dizer: "epá, não, tu tens mesmo jeito para escrita, tu devias ser escritora" e eu: "epá, não, eu quero é ir escrever jogos", "não, mas devias ir tirar um curso de escrita mesmo" e eu, "ok". Na altura andamos a ver, só que as propinas em Inglaterra tinham triplicado nesse ano, então fiquei-me por informática...mas comecei a investir mais na escrita e comecei a escrever livros e foi a partir desse ano que comecei a tentar arranjar agente lá fora, para ser publicada lá fora, porque já me tinha apercebido que publicar fantasia em Portugal como sendo uma perfeita desconhecida ia ser impossivel.

Mencionaste também que escreves e escrevias fanfiction. Para as pessoas que não sabem, fanfiction é escrita baseada noutra obra feita por fans dessa obra. Essa experiência como escritora fan, influenciou quem és como autora?

Influencia-te sempre um bocado, e eu continuo a dizer, a minha melhor maneira de praticar o meu inglês ao ponto em que está hoje foi aos 14 anos escrever fanfiction cheia de erros. Mas isso era o que eu dizia aos meus alunos de inglês, quando estava a dar aulas o ano passado: Não importa se vocês dão erros, o que importa é vocês divertirem-se a escrever e contarem a vossa história. Tal como não importa, quando os miúdos estão a ler, eu dizia: "leiam Webtoons [BD online], eu não quero saber do que vocês leiam, desde que leiam, podem ler Banda Desenhada, conta, conta tudo, desde que vocês gostem, vale a pena". Eu comecei a escrever fanfiction aos 14, continuei, continuei, aos 17 decidi fazer uma fanfiction maior e disse: "se acabar isto, vou começar a escrever livros". Três anos depois, acabei a fanfic e disse: "oh, ops, agora tenho de começar a escrever livros."

Conselhos milagrosos

O teu livro ficou recentemente popular na rede social TikTok, que já tivemos aqui a conversar que tu não sabias (ambas riem). Essa rede social é mais frequentada por jovens, que impacto é que tu esperas que o teu livro tenha sobre eles?

Que se aceitem a eles próprios como são - desde que não sejam más pessoas, mas acho que também, ler este livro se pensas que podes ser má pessoa e estás bom na mesma, não é essa a mensagem. Essencialmente, é um bocado o amor-próprio. Tens de aprender a gostar de ti próprio e a aceitar-te como és e a ver que os teus defeitos nem sempre são defeitos

Agora assim como última pergunta, que conselhos tens para jovens escritores?

Primeiro é não desistir, segundo é: não é escrever só um livro e pensar "está bom" e vai, é preciso muito trabalho, é preciso rever livros N vezes, é preciso teres outros leitores que possam apontar problemas. E se o primeiro livro não conseguem vender, escrevam um segundo, escrevam um terceiro, escrevam um quarto, eu fui ao sétimo. Mas em termos de cá em Portugal, a menos que a situação mude, vai ser muito complicado haver mais novos escritores, eu continuo a fazer o que posso mas, epá, escrevam em inglês. Isto é horrível, mas...

É triste, é triste

Há mais hipótese de sermos publicados a escrevermos numa segunda língua, num país que não é o nosso, do que cá. Eu sei disto porque este livro nunca teria sido publicado cá por uma editora tradicional. Nunca. Da maneira como foi, nunca ia mandar uma carta a uma editora e dizer "tenho este livro" e ele "ah, sim sim"

Enfim, o conselho final é então não desistir, mas também ser realista.

Não desistir, ser realista. Se alguém, quando têm os vossos beta readers [leitores teste], ou editores, ou etc, quando eles têm uma crítica a fazer, a nossa reação é sempre "Não! Eu é que sei!", mas depois de terem essa reação - não digam nada, tenham essa reação para dentro - fiquem a pensar sobre a "morte da bezerra" e sobre cena durante um dia ou dois, e vejam se há razão ou não. Porque muitas das coisas que me pediram para mudar, a minha reação, a gut reaction [instinto] foi "Não!", mas depois pensava dois dias..."ok, não, isto tem de ser mudado". Mas houve cenas que não mexi, a Isabel chora imenso porque eu me recusei a censurar as lágrimas dela, porque eu sou uma chorona enorme e toda a gente me faz sentir mal por isso. Ai é? Então agora a Isabel vai chorar por tudo e por nada! Vai chorar quando está irritada, vai chorar quando está zangada, que é o que eu faço.


Sobre o E-scritores: A nossa entrevistadora e autora do blogue Beatriz Rosa entrevista os novos autores portugueses que navegam o meio digital e revelam os desafios do mundo da escrita em Portugal.

Queres ser o convidado de um dos episódios de E-scritores? Contacta-nos aqui.

Comentários

  1. Fui pesquisar sobre a Diana e vim parar aqui kkkkkk Isso de publicar um livro em língua estrangeira é bastante compreensível. Vou começar a ler outro romance LGBTQIA+ de Portugal e estou empolgada para ler algo completamente nacional

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