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Uma luta pela identidade - Manifestação do Dia da Visibilidade Trans

abr. 2, 2022 2 comments



Um dia para tornar visível não só todas as pessoas transgénero em Portugal, como todas as dificuldades pelas quais passam no seu dia a dia. São estes os filhos, filhas e filhes de Portugal, que marcham e gritam pelos seus direitos. 

A chuva parou para revelar um arco-íris de pessoas que se junta na Praça de Camões às dez para as 19h. Cartazes são colocados no chão para quem os quiser apanhar, faixas são estendidas, bandeiras são hasteadas. Os organizadores da Rede Ex Aequo, Projeto Anémona, TransMissão, Casa T e Ação pela Identidade andam de um lado para o outro com um lenço amarelo no braço, a certificar-se que tudo está perfeito - e que todos estão seguros - para fazerem ouvir as pessoas transgénero em Lisboa.

O Dia Internacional da Visibilidade Trans celebra-se a 31 de Março, no qual se celebram as pessoas transgénero e se consciencializa acerca da discriminação que estas enfrentam. Este reconhecimento das vidas trans acontece desde 2009, devido à ativista LGBTQI+ Rachel Crandall, que lamentava a pouca representação de pessoas transgénero. Em Portugal, a manifestação foi partilhada nas redes sociais pelas associações que o organizaram, em conjunto com as frases: "Neste dia celebramos as nossas histórias, corpos, ideias, as nossas formas de ser, existir e resistir. Celebramos as nossas vidas e conquistas, os nossos talentos e sucessos, a nossa beleza."

"Enquanto malta organizadora da marcha, tem muito a ver com acesso igual à saúde, acesso igual à educação, acesso igual à habitação, ao emprego, são coisas em que as pessoas trans estão muito apagadas porque não existe", explica Jaime Moura, a representar a associação Rede Ex Aequo. 

Direitos negados

Durante a marcha, os apelos de pessoas LGBTQI+ e apoiantes ecoam pelas avenidas e ruas de Lisboa. "Habitação é um direito, sem ele nada feito. Saúde é um direito, sem ele nada feito", é um dos cânticos ouvidos, em referência às dificuldades de habitação e cuidados de saúde que pessoas trans enfrentam em Portugal. "As instituições médicas atuam de forma dominadora e invasiva, tentando determinar o percurso dos nossos corpos, querendo moldar-nos e conduzir-nos sempre para o binarismo e para nos assemelhar à cisgeneridade - tentando curar-nos de uma patologia que não existe", ouvem-se palmas depois da leitura do manifesto no qual se baseia a manifestação, o mesmo partilhado nas redes sociais das associações LGBTQI+. 

Noah Leão, da Rede Ex Aequo, partilha a perspetiva da associação sobre o assunto no final da manifestação, as colunas fazendo o seu discurso chegar aos ouvidos de todo o Rossio: "Todas as semanas nos chegam relatos e pedidos de ajuda de jovens trans, que não conseguem ver a sua identidade reconhecida na escola ou no local de trabalho, devido a direções de escola e chefias de trabalho transfóbicas que se recusam a respeitar a sua existência". O foco da manifestação não é só as pessoas transgénero e não-binarias que já foram mortas devido à transfobia, mas também aquelas que sofrem todos os dias e que mesmo com esse sofrimento, prevalecem e levantam a sua voz neste dia. 

Alguns cartazes da manifestação

Não é apenas a voz das associações que se ouve na manifestação, centenas de pessoas, tanto transgénero como cisgénero, apelam aos direitos trans. João é uma delas, que de cartaz na mão, fala sobre a falta de representação LGBTQI+: "Nós não somos um grupo representado. Não somos uma prioridade mediática". Explica que a única representação trans que existe é quando acontecem mortes ou violência, que acaba por criar um impacto negativo sobre a existência transgénero. "Nós somos muito mais que estas tragédias, é importante celebrar as nossas histórias, os nossos corpos, as conquistas que já conseguimos", conclui João. Jaime adiciona a esta necessidade de representação, explicando que quando um grupo é invisível, este não pode receber a ajuda que precisa. 

Transgénero, identidade imparável

"Pessoas trans existem, pessoas trans não vão deixar de existir só porque a transfobia existe", diz Carolina, uma dos muitos manifestantes. Apela principalmente à autonomia de identidade, uma ideia presente em muitos cartazes dos que andam rua abaixo. "A nossa identidade, vem com dignidade!", gritam. Em costas e varas, várias bandeira coloridas. Alguns, usam a bandeira LGBTQI+, com seis cores do arco-íris, outros, a bandeira transgénero, com os seus azuis e rosas, e outros ainda, a bandeira não-binária roxa e amarela. A não-binariedade é muito presente na manifestação, a linguagem neutra tornada comum pelos ativistas que lutam pelos direitos trans e mostram o quão fácil é de respeitar a mesma. 

Bandeiras LGBTQI+

João é alguém que encontra o conforto na linguagem neutra, e explica ainda o sentido de união que manifestações como estas lhe trazem: "Temos de abraçar a nossa comunidade, ter um dia em que as pessoas se encontram, sentem-se bem, estão na rua sendo elas próprias". Nos manifestos finais, é expressa a necessidade da identidade e expressão da mesma, dificultada em Portugal através de falta de legislação para pessoas transgénero e reconhecimento legal de identidades não-binárias, bem como falta de ensino direcionado para questões de identidade nas escolas. Jaime lamenta: "As pessoas não-binárias não são reconhecidas em Portugal, nem sequer legalmente."

Um dia para relembrar

"Precisamos de um dia da visibilidade trans porque há questões de vida ou de morte a visibilizar", explica Gil Ubaldo, do Projeto Anémona. Continua com o apelo a considerar a importância de direitos básicos, que são dificultados sistémicamente a pessoas transgénero, principalmente na habitação e cuidados de saúde. "Ainda há muita fobia em relação a pessoas trans, e é uma coisa que tem de ser muito combatida, e ainda é muito importante haver manifestações", lamenta Joana, uma manifestante,  enquanto abana o seu cartaz. Jaime partilha da ideia, explicando a importância das manifestações: " A primeira coisa é nós estarmos visíveis e dizermos que estamos aqui."

O dia acaba com cada associação a apresentar o seu manifesto, a fazerem-se ver, dar visibilidade a todos os que estiveram na manifestação e todos os que não conseguiram estar presentes. "Dia 31 de março celebro a minha vida e a dos meus companheires. Nossa coragem, nossa alegria, nosso gozo, nosso prazer, nossas conquistas, nossos amores, nossas trajetórias e abundâncias", diz a representante da Casa T com um sorriso. 

Ainda com o megafone em punho, Gil remata com a importância de um Dia de Visibilidade Trans: "É um dia em que respondemos e em que lutamos pelas razões pelas quais precisamos de viver."

A noite aproxima-se, e os cartazes são substituídos pela dança e os abraços, enquanto se ouve a música da artista Diana Excel. A melodia de uma mulher trans faz-se ouvir nas ruas de Lisboa, cada batida diz "estou aqui". Centenas de jovens e adultos olham-se nos olhos, aproveitando os últimos momentos deste dia em que conseguem ser vistos, esperando que, num futuro, a visibilidade seja a regra.

Comentários

  1. Espero o dia que poderei participar em todas as marchas em vez de ficar por casa e postar sobre. Vou partilhar este blog e quero dizer que apreciei imenso o teu papel aqui mas ainda mais o facto que deste voz às pessoas que devem ter voz neste dia e em todos!
    Jornalismo não está preparado para a pessoa que tu és e pelo que acreditas mas isso que é incrível! Ansiosa para ver onde vais!

    ResponderEliminar
  2. Parabéns pela excelente reportagem e por seres uma pessoa de causas.

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